Eu fui embora

O certo é que eu fui mesmo. Fui embora sem dar adeus, sem escrever bilhete, sem ser gentil com ninguém. Eu, que nunca fui embora de verdade, nem cogitei olhar pra trás. De nada serve se agarrar ao que não existe e só existiu de um jeito que você mesmo inventou.

Eu parti com o coração vazio, como nunca tinha ficado antes. Minha concepção de amar desse jeito vai muito além da dor suportável. Por isso, eu joguei tudo no lixo e tirei também a roupa que não me servia mais por estar impregnada de coisas mortas e sem solução. Da última vez que fui ensinar o que era o amor, terminei na sarjeta sem dinheiro, sem casa, sem coberta. Então eu nem peguei minhas coisas para não me sujar.

Eu deixei tudo no cabide, as louças desbotadas, o livros empoeirados no chão da sala. Queimei as fotos e um cachecol vermelho. Quebrei alguns discos que não ouvia mais. Deixei as meias encardidas no meio da casa com as garrafas quebradas na mesa e a dor que não era mais minha e fui.

Fui um lugar que não conhecia, mas que você não fazia parte. Porque era melhor um coração sem nada do que com você dentro. Porque as mentiras acabam e só fica mágoa. Porque a vida tem que ser melhor. Só pode ser melhor do que isso. Porque isso é o fim de tudo. E todo fim caminha pra um começo. Nem que seja assim do avesso, sem roupa, sem documento, sem sorriso, só com as mãos limpas e os cabelos um pouco bagunçados pelo vento. Porque é melhor ir do que chorar à noite. Porque eu só posso ser feliz longe daquela casa. E se não for aqui, vai ser em outro canto. Porque eu não tenho medo e você é feito disso.

Uma resposta para “Eu fui embora

  1. Muito bom…

    quem me dera ter a coragem de fazer isso.

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